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Mercados por TradingView

EUA – Estagflação: Um risco real?

18 de março de 2024
Escrito por Yuri Alves
Tempo de leitura: 12 min
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Março 2024

Estados Unidos: Inflação e Mercado de Trabalho

Desde 2019, o dólar norte-americano registrou uma redução de 20% em seu poder de compra. No decorrer dos últimos 5 anos, o valor médio de um imóvel ascendeu de US$250.000 para US$400.000, após atravessarmos uma das maiores ondas inflacionárias já vistas desde a década de 1970. Apesar de uma desaceleração inflacionária no último ano, há um consenso de que a inflação não surge e se dissipa repentinamente.

Historicamente, períodos inflacionários são marcados por múltiplas ondas significativas de incrementos nos preços, cuja recorrência poderia ter consequências catastróficas para a economia. A inflação pode ser desencadeada tanto pela escassez na oferta de bens e serviços quanto pelo excesso de demanda por estes. Ao examinarmos as causas da recente onda inflacionária, através dos estudos de economistas do Federal Reserve, observamos que, inicialmente, em 2020, a inflação foi impulsionada por fatores relacionados à oferta, em grande parte devido à pandemia que impôs restrições globais, paralisando a produção da maioria dos bens e serviços.

Posteriormente, em 2021 e 2022, a situação evoluiu, e o que de fato passou a alimentar a inflação foi um aumento expressivo na demanda por bens. Esse aumento foi resultado direto da injeção de trilhões de dólares em estímulos econômicos no mercado, que visavam sustentar a demanda, mas que, por consequência, contribuiu para a aceleração inflacionária. De fato, esses estímulos econômicos, aliados ao confinamento domiciliar durante a maior parte de 2020, resultaram na acumulação de uma quantidade significativa de poupança pelos domicílios. Até meados de 2021, as famílias haviam acumulado poupanças excessivas equivalentes a aproximadamente um décimo da economia (10% do PIB) que reverberaram consumos excessivos nos Estados Unidos e no mundo.

Nos dias de hoje, a inflação ainda demonstra estar sendo um problema para os formadores de política monetária nos EUA, e retornou aos holofotes do mercado à medida que os últimos dados econômicos elucidaram que a batalha contra dinâmica inflacionária ainda está longe de ser vencida.

A última divulgação do CPI frustrou as expectativas dos investidores ao demonstrar uma aceleração do Núcleo de Preços acima das projeções de mercado (0,3% vs. 0,4%), o que reforçou nossa visão de que apostas de cortes nos juros que excedem as projeções do Federal Reserve (75 bps em 2024) são equivocadamente otimistas. Apesar de o índice cheio ainda ter vindo em linhas com as expectativas na última divulgação, nos últimos 12 meses, a inflação acumulada do CPI e seu Núcleo ficaram em 3,2% e 3,8%, respectivamente – ligeiramente acima das projeções de 3,1% e 3,7% e consideravelmente acima da meta de 2% do Fed.

Ao destrincharmos os componentes responsáveis por esta elevação do índice, observamos que a elevação nos preços da habitação (0,4%) e da gasolina (3,8%) representaram mais de 60% dessa ascensão. Paralelamente, os preços alimentícios, que historicamente têm comportamento mais volátil, mantiveram-se estáveis. Ademais, os componentes que mais desaceleraram, contribuindo assim para redução do Índice de Preços ao longo de 2023, parecem estar sinalizando que sua movimentação de queda já se exauriu.

Apesar do mercado ter sido surpreendido negativamente em 3 das últimas 4 divulgações do CPI, os ativos de risco norte americanos parecem ter sido pouco responsivos as notícias negativas, reforçando a nossa ótica de que o otimismo do mercado é demasiado e incoerente com a situação inflacionária enfrentada pelo Federal Reserve. Desde o final de 2023 vimos as Expectativas Inflacionárias de 1, 5 e 10 anos, mensuradas através do Breakeven Inflation (inflação implícita) dos títulos do governo americano, desancorarem da meta de 2%, sinalizando que em 2024 a convergência para o alvo parece uma realidade muito distante.

Estados Unidos: Mercado de Trabalho

As revisões dos dados de criação líquida de empregos urbanos para dezembro e janeiro roubaram os holofotes da divulgação do relatório de non-farm payrolls de fevereiro. Os dados referentes às últimas duas leituras sofreram fortes reajustes baixistas em um total agregado de -167 mil postos de trabalho, o que mais do que compensou a surpresa positiva de 75 mil registrada em fevereiro (275 mil vs. 200 mil). Essas reavaliações, junto de uma desaceleração maior do que a prevista do ritmo de avanço dos salários (0,3% vs. 0,1%), assim como um aumento inesperado da taxa de desemprego (3,7% vs. 3,9%), impulsionaram as apostas de cortes nas taxas de juros em junho devido a sinalizações embrionárias de arrefecimento contínuo do mercado de trabalho.

 Nossa visão vai em linha com a movimentação verificada no mercado. Apesar de não considerar o dado uma “bala de prata” aos olhos do Federal Reserve, entendemos que a contribuição foi predominantemente positiva, tanto em termos do afrouxamento do mercado de trabalho americano, evidenciado pelo aumento do desemprego, como também em termos das dinâmicas salariais vigentes. Um ponto de nossa análise que vale ser destacado reside na dinâmica interativa entre a produtividade e compensação por hora dos trabalhadores nas empresas. Por um lado, observamos no final de 2023 alguns pontos positivos com relação as pressões existentes na compensação aos trabalhadores, variável que é produto da diferença entre os ganhos marginais de produtividade e as perdas marginais incorridas do aumento do custo unitário do trabalho.

Em pontas diametralmente opostas, a movimentação de desaceleração do ritmo de crescimento do custo unitário do trabalho do final de 2023, somada aos ganhos consistentes na produtividade por hora de trabalho, reduziram as pressões de alta na evolução da compensação paga pelos produtores, o que, em nossa visão, reverberou na desaceleração dos Preços dos Produtores (PPI) norte-americanos verificada no final do ano passado. Todavia, apesar do cenário elucidado acima ter sido caracterizado como positivo, enxergamos que esta dinâmica dupla que promoveu uma redução do Preços dos Produtores  no final de 2023 está dando sinais de esgotamento, uma vez que observamos no início deste ano uma retomada na aceleração do PPI e seu respectivo núcleo.

Adentrando uma perspectiva mais microeconômica do mercado de trabalho norte-americano, na última divulgação do Livro Bege – documento em que os dirigentes do Fed expõem as suas visões sobre a situação regional da economia americana –, observou-se uma ligeira ascensão na atividade econômica, situando este crescimento num contexto em que as pressões inflacionárias persistem, embora uma moderação tenha sido notada em diversos distritos. No que tange ao emprego, o crescimento manteve-se em um ritmo modesto na maioria dos distritos, com um leve abrandamento na tensão do mercado de trabalho. Essa dinâmica, por sua vez, reflete uma sensibilidade/percepção aprimorada dos consumidores às variações dos preços, um aspecto que diversas empresas relataram notar.

Correlacionando as perspectivas dos produtores com as últimas tendências dos principais componentes do CPI, observamos uma dinâmica interativa interessante, onde de um lado empresas estão enfrentando maiores desafios ao tentar repassar os aumentos de custos aos consumidores. Por outro, observa-se uma modesta redução nos gastos de consumo, especialmente no setor varejista (0,8% vs. 0,6%). A conclusão que se pode inferir desta situação é que os níveis atuais de juros parecem não estar restringindo suficientemente a demanda, e as pressões inflacionárias do lado dos produtores poderão começar a se surgir na forma de uma maior demanda por bens/serviços e salários.

Uma potencial justificativa para esta futura manifestação das pressões salariais reside em um aspecto chave mencionado no Livro Bege, onde empresas em diversos distritos relataram uma maior facilidade para preencher vagas e encontrar pessoal qualificado, um indicativo de ajustes no mercado de trabalho que poderiam estar contribuindo para o crescimento salarial observado em vários distritos, ainda que este tenha mostrado sinais de desaceleração nos últimos dados.

O que estamos observando na economia atualmente é que apesar da melhoria das condições de oferta, produtores ainda relatam uma aceleração do índice de preços da cesta consumida. Sob uma ótica alternativa, uma redução nos custos dos insumos pode levar a maiores níveis de investimentos em marketing, inovação ou reduções estratégicas de preços visando estimular a demanda que está dando indícios de enfraquecimento. Se bem-sucedidas, essas estratégias podem aumentar a demanda agregada, potencialmente revertendo o cenário de pedidos insuficientes e contribuindo para a inflação por meio do aumento do consumo.

Em conclusão, enquanto a lógica inicial sugeriria uma pressão desinflacionária derivada da demanda mais fraca, o que atualmente não vemos como cenário consolidado na economia americana, a melhoria nas condições de oferta aliado aos aumentos de custos incorridos (PPI) poderia, paradoxalmente, criar espaço para pressões inflacionárias, ou, em menor grau, não resultar na redução de níveis de preços que é esperado neste contexto, tudo depende de como as empresas e consumidores reajustam suas expectativas e comportamentos nesse cenário.

Na literatura econômica, esse fenômeno derivado de um equilíbrio econômico frágil pode ser nomeado como “estagflação leve”, onde a inflação e a estagnação da atividade coexistem. O que enxergamos com os dados divulgados até o presente momento é que a economia americana se encontra em um momento delicado e complexo, com indícios incipientes de uma potencial estagflação. Diante disso, se o “timing” de cortes nos juros escolhido pelo Federal Reserve for equivocado podemos ver a materialização deste cenário se tornar realidade, onde a economia desacelera e os preços continuam a subir. Apesar destes sinais ainda serem embrionários, é válido ressaltar que tal ocorrência já vem sendo notada em diversos estados americanos através do Índice de Coincidentes Estatais do Federal Reserve da Filadélfia. O indicador constitui em um compilado de  dados locais que fornece uma visão abrangente da saúde econômica de cada estado como por exemplo; evolução do nível de empregos urbanos, a quantidade média de horas trabalhadas, taxa de desemprego, desembolsos de salários nominais e trajetória evolutiva dos salários reais.

Um aumento no índice sugere que a economia local está expandindo. Isso pode ser devido a vários fatores, como aumento de contratações (refletido no emprego urbano), horas de trabalho mais longas (especialmente na manufatura), uma diminuição na taxa de desemprego ou um aumento nos salários reais. Um nível alto sinaliza uma atividade saudável e pode se traduzir um crescimento econômico futuro. Uma diminuição no índice aponta para uma contração na economia local. Isso pode ser resultado de perdas de emprego, redução das horas de trabalho, aumento na taxa de desemprego ou queda nos salários reais. Um índice em queda pode ser um precursor de desaceleração econômica ou recessão dentro do estado. A relação entre expansões e contrações do nível de atividade e o próprio índice é direta. Durante períodos de expansão econômica, espera-se que os valores aumentem à medida que o emprego cresce, a atividade manufatureira aumenta, as taxas de desemprego caem e os salários reais melhoram. Por outro lado, durante as contrações, o índice tende a cair em resposta a perdas de emprego, redução da atividade, taxas de desemprego mais altas e declínio nos salários reais.

Para analisar o potencial risco de estagflação na economia norte americana construímos um cálculo, a partir dos dados do Índice de Coincidência, que indica se os estados vêm pronunciando contrações e reduções mensais em seus níveis de atividade. Uma potencial crítica reside no fato de cerca de 30% da performance do PIB americano está concentrada em 4 estados (Califórnia, Texas, Nova York e Flórida), todavia, ao analisarmos o comportamento histórico de nosso indicador construído, quando 28 ou mais estados sinalizaram uma redução mensal de sua atividade econômica, os Estados Unidos adentrou uma recessão econômica. Nos dados mais recentes vemos que cerca de 21 estados relatam contração em seus níveis de atividade mensais, número que pode vir a acelerar uma vez que este resultado sucedeu uma quantidade de 27 regiões sinalizando desaceleração.

Em suma, nossa visão central é de que o Federal Reserve deve escolher com cautela a trajetória de juros em 2024. O primeiro corte, precificado atualmente em junho pelo mercado, é visto por nós como o primeiro passo de uma caminhada difícil pela frente, e sem volta, onde a trajetória de chegada e que sucede a decisão são fundamentais para consolidar sua credibilidade. Por um lado, se o Fed antecipa cortes equivocadamente, cedendo para o otimismo de mercado, ele pode ver a dinâmica inflacionária voltar a acelerar com os níveis de preços agredindo a atividade econômica e reduzindo poder de compra dos consumidores. Por outro lado, manter taxas mais altas por mais tempo pode desembocar em uma contração demasiada da atividade, reverberando em fortes aumentos do nível de desemprego e fazendo com que a economia entre uma recessão econômica indesejada. Observa-se que qualquer um dos potenciais cenários alternativos ao soft landing são vistos como negativos e não descartam a possibilidade de que a economia entre em uma zona mista de redução de atividade econômica com os níveis de preços mais elevados.

A materialização de quaisquer um dos cenários alternativos apresentados é algo ruim sob a ótica do Federal Reserve, sob a nossa perspectiva vemos que a probabilidade de estagflação não é irrisória, e vem sendo negligenciada pelo mercado que ignora a força que o cenário vem ganhando desde os últimos dados divulgados. As evidências apontam para um ambiente onde os preços permanecem elevados por um período mais extenso, simultaneamente a sinais incipientes de uma desaceleração da atividade econômica e de exaurimento de fatores que melhoraram as condições de oferta. Concomitantemente, o contexto corrente também sugere que os juros neutros, aqueles que nem estimulam nem desestimulam a economia, poderiam estar em patamares mais elevados do que o esperado. Isso implica que mesmo mantendo a taxa de juros nos níveis atuais, o Federal Reserve pode não estar exercendo a pressão contracionista necessária para combater efetivamente a inflação, potencializando o risco de estagflação. Em suma, acreditamos que o cenário de preços mais elevados com uma atividade menos aquecida vem ganhando força com nas últimas divulgações, marcando um período de tensão, onde o timing de mudança na narrativa escolhida pelo Fed será fundamental para balizar expectativas e evitar com que o “pior dos dois mundos” efetivamente se materialize na economia americana.

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