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Carro popular e outras soluções ultrapassadas: como Lula III vê o mundo

29 de maio de 2023
Escrito por Terraco Econômico
Tempo de leitura: 6 min
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Na trilogia De Volta Para o Futuro, um cientista maluco e um jovem disposto a emoções intensas decidem entrar em um experimento surreal: baseando-se no que ambos veem no presente, tentam mudar as coisas voltando ao passado e também viajando ao futuro. Apesar dos pesares, tudo dá certo nos filmes. 

Mas na realidade, que de vez em quando beira ao surrealismo, não é bem assim.

Aparentemente a ideia recente de reativar o incentivo à compra de carros novos (os tais “populares”, hoje em cifras elevadas) pode parecer apenas um tijolo a mais na construção de um muro de retrocessos, mas diz muito mais sobre o que vem por aí do que parece à primeira vista. 

Diagnóstico segue na mesa, mas está sendo ignorado

Houve, durante o período eleitoral de 2022, uma aproximação entre diversas pessoas de espectros políticos diferentes em uma corrente que tinha como objetivo uma eventual reparação de danos institucionais e democráticos. Porém, o que era colocado em dúvida desde aquele momento era: “qual corrente de pensamento será mais ouvida em caso de vitória?”.

Ainda durante a transição de governos, período que pareceu na verdade já o início de Lula III – dada a ausência de Bolsonaro e de grande parte de seus ministros na lida com questões que ainda estavam sob a responsabilidade daquela gestão-, o que vimos foi um forte direcionamento de que a chamada corrente desenvolvimentista seria a mais ouvida.

Por desenvolvimentismo, temos a ideia de que os problemas deveriam ser encaminhados por uma maior participação do Estado na economia, seja de maneira direta (atuação) ou mesmo indireta (com financiamentos a empresas/setores selecionados ou mesmo mudança de regras). Não há problema algum em se mudar a orientação entre governos, mas é curioso o fato de não aprendermos com os erros cometidos há tão pouco tempo.

A participação desmesurada em termos de intervenção setorial/microeconômica e também de elevado custo ocorrida principalmente no pós-crise de 2008 acabou culminando na maior crise já registrada na história da economia brasileira, no biênio 2015-2016 – ou seja, ainda não completamos uma década dessa hecatombe e, pelo visto, algumas ideias serão tentadas novamente agora.

“Carro popular” encareceu sim, mas e o governo com isso?

A inflação distorce os preços e o poder de compra domesticamente, enquanto o câmbio, quando desvalorizado em demasia, faz com que essa impressão de perda de poder de compra fique mais visível em relação ao que vem de fora. Temos no Brasil não temos fábricas de carros, apenas montadoras – aqui as peças são encaixadas e os carros são formados, mas a origem intelectual de tudo isso vem de fora -, então é natural que o câmbio traga efeitos deletérios para itens como esses.

Levando em conta essa perda de poder de compra, é natural que essas grandes empresas acabem focando em mercados que consigam comprar mais de seus produtos ou pelo menos garantir maiores margens à seus negócios.

Na mistura entre inflação, câmbio e mercado internacional mudando, tivemos, entre 2019 e 2023, um aumento de 45% no preço desses carros de entrada, segundo estudo recente da FGV. Em meros três anos a faixa inicial saiu de R$30 mil para os arredores de R$67 mil. Sim, uma diferença notável.

O problema é que programas como o que se tentará agora, independente de ser temporário (como apontou Haddad), não muda nem a situação desses preços nem o que as montadoras vão encontrar no mercado brasileiro. E, para piorar, ainda geram aumento do custo com subsídios tributários a um setor beneficiado há décadas justamente no momento em que nos aproximamos da discussão da reforma tributária e temos aprovado um marco fiscal que, para parar de pé, precisa de um ajuste de R$200 bilhões.

O custo do programa é o menor dos detalhes

Quando perguntado sobre o custo esperado desse programa, Haddad tem citado que ficará “abaixo de R$2 bilhões”. A cifra, sozinha, parece ser baixa. Mas também é baixa a diferença que será observada nos preços e, no final do dia, isso não muda o fato de que será algo financiado pelas faixas mais baixas ao consumo da classe média. Lula se perguntou esses dias: “qual pobre compra um carro de R$90 mil?”. Nenhum irá comprar nem os com novos preços graças a esse programa.

Os dois maiores problemas associados a um programa como esse não são seu custo em si, mas o incentivo que passa a outros setores (todo mundo poderá pedir esse socorro?) e a continuidade, agora sob novos nomes pomposos (“economia verde” e “inovação”), de um auxílio setorial bastante específico que acontece basicamente desde que a indústria automotiva chegou ao Brasil, muitas décadas atrás.

Governo escolhe culpados, não resolve e ainda se sabota

O embate principal do governo poucas semanas atrás era com o Banco Central, que supostamente seria o culpado de todos os problemas do país por seguir seu mandato. Mas agora, por programas como esse, temos que o direcionamento será de atacar as próprias ideias de melhoria anunciadas por sua equipe econômica.

Recentemente, em uma entrevista a Abílio Diniz, Haddad colocou em pauta que um dos maiores objetivos do governo para conseguir se fazer presente do modo como espera, está em lutar contra o custo tributário, que seriam justamente todos os itens de subsídio direto e indireto concedido pelo governo. Segundo ele, esse custo seria equivalente a 4% do PIB e, se revertido apenas em parte, já abriria espaço sustentável para aumento de programas governamentais e redução da dívida pública ao longo do tempo.

Porém, antes mesmo de começar a elencar quais programas seriam revistos ou minimamente analisados sobre sua continuidade, temos o anúncio de um velho conhecido do Brasil em termos de programa de auxílio setorial sendo colocado para jogo. 

E, de um modo surreal, ao que parece, o anúncio aconteceu sem anuência da atual equipe econômica.

As ideias velhas vão até o arrebentar da corda

Independente de sua visão a respeito de Lula III já ter deixado claro todo seu viés econômico ou não, é notável que em um período geralmente conhecido por ser a lua de mel entre um recém eleito, a sociedade e o Congresso, sejam colocadas em prática medidas que gerem tamanho questionamento.

Seja isso do programa de incentivo ao carro popular, a tentativa de alterar o marco do saneamento (que teve uma derrota sonora na Câmara), a tentativa de mudar a estrutura de controle pós-privatização da Eletrobrás (que até envolve uma ação no STF) e até o questionar da independência do Banco Central, o governo atual dá todos os sinais de que irá encarar batalhas do passado. Mas não devem ter facilidade no Congresso.

A cada novo momento e nova ideia de mudar algo apenas para deixar claro que “quem fez isso fomos nós”, o governo vai se distanciando do que poderia entregar caso levasse em consideração o diagnóstico amplamente disponível do que poderia fazer para de fato ter desempenho relevante.

Entre as ideias de “não ser menor que os mandatos anteriores” e “não ter chance para erro”, Lula precisará escolher apenas uma, principalmente se a toada continuar sendo a que vemos nesse momento.

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