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De Berlusconi a Bolsonaro: o link entre mídia e populismo

26 de dezembro de 2019
Escrito por Ignacio Crespo
Tempo de leitura: 5 min
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A polarização política e o descontentamento da população são realidades em diversos lugares do mundo. Como consequência, nas urnas, nomes e partidos antes pouco prováveis e menos expressivos, têm ganhado cada vez mais espaço. Nos dias de hoje, aqueles até há pouco eram chamados de “outsiders” – sejam eles verdadeiramente “outsiders” ou não –, já são grandes nomes da política internacional. Tal movimento não se restringe a Donald Trump e/ou Jair Bolsonaro. Na Europa, por exemplo, partidos que poderiam ser rotulados de nacionalistas, populistas ou radicais são hoje muito representativos. Mas como explicar a ascensão destas figuras? Esta ainda é uma pergunta instigante e sem uma única resposta. Mas acredite: a TV, segundo estudo recente, poderia explicar ao menos parte deste reaparecimento. Afinal, podemos relacionar TV e populismo?

Antes de explorar este assunto, vale ressaltar: a relação entre as tradicionais variáveis econômicas e a política já não é tão nos dias de hoje. Afinal, o eleitor, além de estar atento ao crescimento econômico, desemprego, inflação, etc., também dá importância a questões de “identidade”, por exemplo. A relação entre economia e política é muito mais complexa do que muitos consideram, e não há direção de causalidade única entre estas “variáveis”. Às vezes, é a política quem afeta a economia; em outras, é o contrário. Mais do que isso: a relação de causalidade não está restrita a um período de tempo específico e as consequências de alguns eventos podem ser muito duradouras. Neste contexto, um exemplo interessante, e pouco óbvio, é a relação entre a crise bancária dos anos 1930 na Alemanha e o surgimento do Nazismo, anos depois – um link explorado por um estudo acadêmico publicado no início de 2019, e que comentei para no blog da Guide e app O Guia Financeiro.

Num outro recente estudo, também publicado em 2019, os economistas Durante, Pinotti e Tesei, das universidades Pompeu Fabra, Bocconi e Queen Mary, exploraram o efeito que a TV de “entretenimento” tem gerado sobre o eleitorado italiano desde os anos de 1980. Pode até parecer exagerado: assistir à TV tem poder para nos influenciar nas decisões políticas? Sim, é exatamente isto o que os autores encontram, e não precisa ser “notícia” o que você está assistindo. O efeito seria “não-desprezível” e se mostrou duradouro até as mais recentes eleições, segundo os autores. Publicano numa das mais conceituadas revistas acadêmicas de economia, o estudo evidencia que não só questões ligadas à globalização e desigualdade têm contribuído para o reaparecimento do populismo, ao menos na Itália. Os mais expostos e suscetíveis à TV, como crianças e idosos, no início dos anos 1990, se mostraram mais favoráveis aos partidos populistas nas eleições subsequentes – algo que também explica o poder do partido Forza Itália, de Silvio Berlusconi, de 1994 até ao menos o ano de 2008.

Não é muito difícil fazer uma relação entre a Itália daquele momento e o Brasil dos dias de hoje. Após casos de corrupção terem manchado a imagem dos políticos italianos e a população se mostrar insatisfeita, Berlusconi, até ali um “outsider” à política, se vê obrigado a concorrer nas eleições de 1994 para preencher um vácuo político e manter o seu poder econômico. Foi uma circunstância propícia para o aparecimento de alguém que vinha de “fora”. Até 1992-1993, Berlusconi mostrava-se sem qualquer aspiração política. Obviamente, naquele momento, sem mídias sociais como Facebook ou Twitter, foi a TV um meio importante para lhe dar notoriedade no país. E isto não foi difícil: já no início dos anos 1990, a empresa de Berlusconi, a Mediaset, já chegava praticamente à totalidade dos italianos, e seu programas, no início apenas de “entretenimento”, também começavam a veicular “notícias”. A descrição de Berlusconi feita pelos autores faz lembrar, em certos momentos, a figura de Jair Bolsonaro. Com um estilo mais direto, cativante e uma linguagem simples, o “outsider” era entendido pela população que desejava algo “diferente”. Outro ponto interessante: o partido Forza Itália foi criado pouco antes das eleições de 1994, era muito personalista, centrado na figura de Berlusconi, pequeno e praticamente sem nenhuma representatividade no país – outra característica que nos faz lembrar do atual momento no Brasil.

Após vencer as eleições de 1994, Berlusconi torna-se primeiro-ministro e a coalizão de direita, comandada pelo Forza Italia, ganha cada vez mais representatividade. A coalização voltou a vencer as eleições em 2001 e 2008 e só perdeu por uma margem estreita nas eleições de 1996 e 2006, contra a esquerda, liderada pelo Partido Democrático (PD). Em 2013, ambas as coalizações sofrem derrotas grandes contra o chamado Five Star Movement, um novo partido populista, recém-criado, e que conseguiu mais de 25% dos votos. O interessante é que o estudo de Durante, Pinotti e Tesei encontra que aqueles que eram mais favoráveis a Berlusconi também são mais favoráveis ao Five Star Movement, embora estes partidos tenham ideias diferentes e em muitos casos opostas. Em comum, apenas o fato de serem populistas. Mas os mecanismos através dos quais a TV (mesmo o “entretenimento” como novelas e filmes) influencia as pessoas não é nada óbvio. Alguns sustentam que a TV talvez seja capaz de deixar as pessoas mais “maleáveis” e torná-las mais vulneráveis à manipulação de políticos. Outras, por outro lado, defendem que o tempo “perdido” vendo TV as tirou de atividades que as teriam educado mais e/ou dado outros pontos de vista.

O resumo é que a TV dos anos 1990 parece ter tornado o solo mais fértil para que movimento populistas ganhassem forças na Itália ao longo dos anos. O efeito é “não-desprezível”, mas está longe de explicar as razões do surgimento do populismo. Questões econômicas seguem no centro dos holofotes, é claro. Mas o estudo de Durante, Pinotti e Tesei serve para pensarmos de uma forma um pouco mais abrangente sobre os movimentos políticos mais radicais que têm ganhado forças, inclusive no Brasil. Se você não estiver muito convencido sobre o poder atribuído à televisão pelos autores, ao menos tenha em mente que qualquer atividade que diminua o tempo de educação de uma sociedade pode ter efeitos muito duradouros, e dos mais diversos. De Berlusconi a Bolsonaro, muito pode ter mudado, mas a educação e a opinião crítica segue sendo essencial para que os países tomem as melhores decisões. A TV, neste contexto, é um fator adicional.

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