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Mudar a meta de inflação é uma boa ideia?

7 de fevereiro de 2023
Escrito por Terraco Econômico
Tempo de leitura: 8 min
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O regime de metas de inflação, trazido na virada do século para a realidade, colocou certos parâmetros para a economia brasileira: com a intenção de manter o valor da moeda ao longo do tempo, os juros definidos pelo Banco Central deveriam caminhar na direção de manter o nível de preços em uma faixa de controle e, a partir do momento em que isso não acontecesse, o banqueiro central deveria se explicar em carta aberta.

As definições a respeito dessa meta de inflação levam em consideração um centro (que é a meta em si) e um intervalo de tolerância. A ideia central desse mecanismo é que, caso a inflação de fato fique dentro do intervalo estabelecido, os níveis de preços estarão comportados o suficiente para que os juros possam cair com maior sustentabilidade.

O estabelecimento tanto da meta quanto do intervalo é feito pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que tem como membros o Ministro da Fazenda, o Presidente do Banco Central e o Secretário Especial de Tesouro e Orçamento e olha para um intervalo mais amplo de tempo. A última definição do CMN, por exemplo, colocou a meta para 2025 como sendo 3%, com intervalo de tolerância de 1,5%.

Recentemente, falas da equipe econômica de Lula III – e dele mesmo – indicam que as metas para inflação podem entrar em discussão na pauta econômica de modo a permitir que tenhamos níveis de preços mais elevados.

Para além dos ruídos que esse tipo de indicação causa, apresentaremos neste artigo motivos pelos quais isso teria alguma justificativa e outros que apontam para isso como sendo um equívoco.

O lado bom dessa mudança: ajuste indireto

Se tem um problema que não lidamos de maneira adequada desde a promulgação da Constituição Cidadã no final dos anos 1980 é o lado dos gastos do governo. Saímos, naquela época, de um período bastante restritivo de oferta de serviços governamentais para uma época em que a tônica era basicamente “oferecer tudo a todos”.

Como resultado, passamos as últimas três décadas vendo o tamanho do Estado aumentar de maneira praticamente contínua, o que demandou aumentos tanto em nossa carga tributária quanto no endividamento público, em momentos diferentes e com pesos diferentes. Além disso, quando nenhum dos dois avançava tanto, quem ia adiante era a inflação.

Esses três itens (carga tributária, endividamento público e inflação) são meios pelos quais o Estado se financia. Impostos a mais apresentam uma enorme rejeição popular, endividamento público quando sobe sem controle assusta mais aos economistas e analistas e, a inflação, aparentemente fica no meio do caminho como um item interno de correção.

Em 2023, com a permissão de gastos adicionais que tornam o déficit público próximo de 2% do PIB – pela famigerada PEC de Transição -, já entramos o ano mais uma vez com a conta estourada. Existem planos de lidar com isso, mas eles são pouco críveis. Mais ajuste será necessário se a ideia for evitar que a dívida pública suba de maneira vertiginosa nos próximos anos.

Importante afirmar também que um ajuste fiscal não é tão trivial quanto se imagina, principalmente porque nove a cada dez despesas estão constitucionalmente estabelecidas. Uma coisa é cortar o que pode ser reduzido, outra bem diferente é mudar a constituição e os delicados direitos lá colocados – por mais caros socialmente que possam ser (fazendo com que uma porção deles seja reconhecido na verdade como verdadeiros privilégios).

O que a equipe econômica de todos os governos gosta muito mas jamais irá te contar é que o melhor ajuste de contas públicas se dá exatamente via inflação, porque por meio desse mecanismo as pessoas não sentem que estão financiando o Estado. Não é que não se reclame de inflação, mas praticamente ninguém associa esse fenômeno a contas públicas, a não ser que seja para celebrar algum avanço (do tipo “veja só como a arrecadação aumentou”).

Sergio Werlang, ex-diretor do Banco Central e um dos idealizadores do regime de metas de inflação, vai além: em função desse mecanismo, os juros tendem a ficar em patamar mais elevado do que o necessário e, no fim dos dias, isso seria capaz de sacrificar o crescimento econômico.

Assim sendo, seria interessante buscar um nível mais elevado de meta de inflação, que fosse mais conectado com a realidade do país em termos desse “ajuste indireto”.

O lado ruim: abriu a porteira, passa a boiada inteira

Levando em consideração tudo que apresentamos até agora, talvez você tenha agora muito menos objeção ao tema do que quando abriu esse artigo. Porém, é importante sempre lembrar que, para além de ideias genuínas de melhoria, no Brasil somos especializados em aproveitar para colocar em prática ideias fracassadas do passado embaladas em um mar de boas intenções.

A boa intenção que envolve a ideia da meta de inflação mais alta é basicamente a ligação entre inflação mais alta e crescimento. Dificilmente você encontrará pessoas que sejam explicitamente contrárias a ver a economia crescer mais, parece até um contrassenso.

O problema é o modo como esse crescimento pode acontecer – e os custos que aparecem com ele.

Desde a campanha e agora colocando como tônica econômica semanalmente, em Lula III devemos ter um aumento na presença do Estado na economia, que ocorrerá de maneiras diferentes mas que caminham todas para um adicional nos gastos. A tese é que, gastando mais, sairemos da situação de baixo crescimento na qual nos encontramos.

Mas essa é apenas uma mania brasileira de se aprisionar em baixo crescimento, no fim do dia.

Em sendo o regime de metas de inflação um verdadeiro balizador de expectativas sobre os níveis de preços no futuro (e o comprometimento do governo para alcançar isso), simplesmente torná-lo mais elevado por si só significa apenas abrir a possibilidade para um desancorar dessas expectativas. No limite, isso pode servir mais para quebrar o termômetro monetário do que necessariamente para trazer de fato mais crescimento.

Outro ponto de complicação é nossa eterna dificuldade em conviver com regras quando elas parecem não convenientes aos objetivos de curto prazo. Ou, em bom português: se a meta de 2025 sair de 3% e rumar para 4%, em um próximo momento de dificuldade ela irá magicamente a 5%? A 10%? Qual será o critério para que essa passagem aconteça?

Isso sem deixar de lembrar também do danoso efeito crowding-out que isso traz para a economia como um todo: se o Estado irá fazer, por qual motivo alguém da iniciativa privada deveria se colocar como possibilidade? Isso potencializa o efeito negativo da política de “é só o governo gastar mais que o crescimento acontece”, porque tende a jogar para baixo a taxa de investimento agregado.

O que então poderia ser feito?

A agenda número zero da equipe econômica de Lula III deveria ser lidar com o caminhar do lado fiscal. Se a intenção revelada é aumentar a presença do Estado na economia, em quais outras pontas veremos diminuição de custo para que isso não traga danos ao orçamento como um todo?

Antes do estabelecimento do novo arcabouço fiscal esse tipo de discussão, de elevar a meta de inflação, sequer deveria ser mencionada.

Uma vez que tenhamos o tal novo arcabouço fiscal – que, segundo anuncia essa equipe, deve acontecer em abril -, poderia haver uma discussão mais racional deste dentro do Conselho Monetário Nacional a fim de permitir flexibilidade, mas com regras bem estabelecidas.

Por exemplo, poderíamos ter um mecanismo que associasse o crescimento econômico à possibilidade de gastos adicionais, tendo como contrapartida a definição de locais de corte no fiscal em momentos de contração econômica. Se hoje o Teto de Gastos se desgasta a ponto de não ser mais levado a sério, pelo menos ele colocou na mesa a ideia básica de se pensar com mais seriedade a respeito desse assunto.

Esse compromisso precisa ter como objetivo uma agenda crível e de horizonte relevante para o gasto público, para evitar que o Estado siga em caminho apenas de subida quando o assunto é seu financiamento. No curto prazo, a flexibilidade diante das necessidades econômicas que vêm com o crescimento, no médio e longo prazos o encaixe de reformas que possam encaminhar de fato a equalização do lado fiscal – como é o caso da administrativa.

A boa notícia é que um misto de mecanismos pode ter enorme potencial de permitir maior crescimento sem juros tão elevados, bastaria colocar credibilidade na mesa. A péssima notícia é que, com chances não desprezíveis, trocaremos novamente o populismo de curto prazo e das boas notícias pelo compromisso com o que de fato muda a situação positivamente no futuro.

Importante afirmar que essa discussão não é apenas nossa: nos EUA isso também já foi cogitado. E, mesmo diante de uma credibilidade elevada de um banco central que indiretamente coordena a atuação de todos os outros do planeta, ainda assim a recomendação por lá é de não mexer nesse vespeiro.

Não temos atualmente uma âncora fiscal crível. Se o plano for também desgastar a âncora monetária, o efeito pode ser desastroso em uma velocidade muito maior do que o mais pessimista analista poderia supor.

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