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Enron: os mais espertos da sala e lições para a vida

28 de agosto de 2020
Escrito por Terraco Econômico
Tempo de leitura: 6 min
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O caso Enron - ilustração de uma claquete com flores ao redor e um fundo roxo

Uma empresa que levou dezesseis anos para sair de 10 bilhões de dólares em ativos e chegar em 65 bilhões e, em apenas 24 dias, faliu. O documentário Enron: os mais espertos da sala é sobre números superlativos, ego, jogadas arriscadas e muito dinheiro.

Enron foi uma empresa de energia dos Estados Unidos que, com forte base no estado da Califórnia, controlava esse setor por lá. Pautou, por um período considerável de tempo, por desregulamentações que a deixasse mais livre para operar. Mas foi esse ritmo de “liberdade absoluta” que permitiu que todos os problemas viessem a acontecer.

“Como a Enron ganha dinheiro?”

Logo ao início do documentário vemos cenas dos ex-executivos da empresa sendo interrogados publicamente a respeito das más decisões tomadas – e esse tipo de cena é mostrada em outras partes também. Em um determinado momento é feita uma pergunta que parece óbvia, mas para o filme faz todo sentido: como a Enron ganha dinheiro?

Tal pergunta é justificada pelo fato de que a Enron, sendo uma empresa de energia, deveria ganhar dinheiro como todas as empresas do setor, através das operações relacionadas ao mercado de energia. Certo?

Pois é, mas nela tínhamos dois detalhes obscuros que faziam com que tudo ocorresse de maneira diferente.

O chocante desvio ético…

Imagine a empresa que leva energia até a sua casa todos os dias. No Brasil, os preços finais que chegam pra você dependem do Sistema de Bandeiras Tarifárias, este que leva em conta o custo de produção da energia – quanto mais elevado estiver, mais será repassado aos consumidores em forma de aumento e o contrário também é verdadeiro. Já em relação aos players que produzem a energia, há o chamado Preço de Liquidação das Diferenças (ou PLD), que é, de maneira simplificada, o “preço de mercado” da energia quando comprada setorialmente (e que é definido em valores máximos e mínimos pela ANEEL todos os anos).

E, sim, há uma relação entre o PLD e as bandeiras tarifárias: quanto maior for o PLD, maior o aumento.

Na Califórnia, nos anos 1990, essa precificação era bem mais livre. E por bem mais livre entenda: quaisquer custos que pudessem ser repassados, seriam repassados diretamente ao consumidor.

E é aqui que entra o desvio ético. Se estiver lendo em pé, sente-se, porque por mais surreal que isso pareça, de fato aconteceu. Os operadores da rede de energia desligavam algumas partes do sistema para gerar uma escassez de energia que justificasse aumento no valor das contas. Expressões como “vocês precisam ser criativos para encontrarem um jeito de desligar a energia hoje” e “vamos tirar dinheiro das vovós da Califórnia” eram literalmente ditas por esses operadores em gravações que mais adiante se tornaram públicas.

Dessa maneira, enquanto a empresa conspirava diretamente para gerar faltas de energia que se refletiriam mais adiante em aumentos nas contas, as receitas acabavam sendo impactadas positivamente e, assim, um mesmo serviço de energia comum (e bastante questionável em termos de entrega) acabava se tornando uma lucrativa operação financeira, levando as ações a aumentarem consistentemente.

… e o eletrizante desvio contábil

Unindo a essa artimanha de promoção de escassez estava uma ideia que, até então, por mais simples que fosse, trazia resultados geniais. Essa ideia era a de aprimorar a valor presente ganhos esperados de operações que estavam em curso juntamente de um conjunto de “jeitinhos” para esconder as dívidas que ficavam no caminho.

Funcionava da seguinte maneira: a Enron atribuía em seus balanços a aquisição de novas instalações e, “já que ninguém dizia não ser possível”, atribuía logo no momento dessas compras toda a receita esperada com o futuro delas. Seria como, na prática, um investimento de vinte anos pudesse ser colocado na mesa como resultado do ano atual. Uma coisa é a expectativa de ganhos e resultados, outra bem diferente é o reconhecimento desses.

Para piorar a situação, em um emaranhado de diferentes empresas que foram sendo criadas, as dívidas acabavam sendo escondidas. A mistura de fogo com gasolina era a seguinte: as receitas incorporavam os ganhos ao longo do tempo que a Enron teria com as aquisições que fazia enquanto os custos dessas aquisições (esses que, tais quais as receitas, também eram de longo prazo) não entrassem em seus balanços.

Resultado? Uma empresa cujas ações subiam sem parar, dado que suas receitas eram cada vez maiores com despesas que não acompanhavam e dívidas que pareciam ser sempre estáveis.

Um detalhe impressionante dessa história é que a firma de auditoria, Arthur Andersen, quando “se deparou com a situação” literalmente começou a destruir os arquivos físicos que existiam buscando limpar os rastros da enorme fraude que fingiam não ver. Aliás, mesmo diante de questionamentos públicos da justiça, a empresa se negou a responder sobre.

No mundo das empresas de auditoria, até esse momento, chamavam as grandes empresas de Big Five, sendo elas a Arthur Andersen, a Ernest&Young, a KPMG, a Deloitte e a PriceWaterhousecoopers. A partir desse momento, sem surpresas, passaram a ser Big Four.

Como caiu o castelo de cartas?

O começo do fim de um problema é identificar que ele existe. Neste caso não foi diferente: em 05/03/2001 um artigo questionador chamado Is Enron overpriced? colocava na mesa uma pergunta importante: como uma empresa de energia pode estar tão bem diversificada e ganhar tanto dinheiro assim? Lembrando que a Enron ocupou por diversos anos um dos primeiros lugares da Fortune 500, ranking das maiores empresas dos Estados Unidos.

É claro que não foi apenas esse artigo que promoveu todos os questionamentos que vieram a seguir, mas ele parece ter estalado os dedos para que muitos acordassem do conto de fadas acionário em que viviam.

O assunto, que já esteve presente até em uma cena dos Simpsons, acabou rendendo discussões diversas sobre como setores de serviços públicos devem ser regulados e também sobre como algumas práticas contábeis – como essa de atribuir a valor presente os resultados esperados para o futuro – precisavam ser revistas.

Além de uma dívida de US$15 bilhões que ficou para trás, milhares de empregos foram perdidos e muitos americanos que tinham nessas ações parte de suas aposentadorias viram seus sonhos virar pó. Levando em conta que não se tratava de qualquer empresa, mas sim de uma das maiores dos EUA, esse baque tremendo não parecia sequer imaginável, até que de fato aconteceu.

Fica a dica: do documentário e para seus investimentos

As cifras que os executivos levaram para casa advindas de bônus milionários que surgiram a partir dessas fraudes e o rastro de perdas que ficaram para trás fazem com que esse documentário realmente seja para os que têm mais estômago.

A indignação fica latente quando ele acaba.

Porém, como diz aquela velha frase, você pode aprender errando ou observando o erro dos outros. Da virada do milênio pra cá muita coisa mudou, principalmente no tocante ao acesso da informação. Sabe aquela empresa da moda? Não vá na onda de quem grita por aí que você não pode ficar de fora. Procure a opinião de quem estuda sobre ou, se você entender disso, olhe os balanços, as previsões, os planos.

Sempre duvide daqueles que têm certezas demais e questionamentos de menos.

É claro que uma fraude dessa magnitude fica muito mais difícil de acontecer hoje em dia dadas as balizas legais existentes e também a esse fluxo informacional mais adequado, mas ainda assim esse tipo de coisa está sujeita sempre a acontecer: lembremo-nos por exemplo que todas essas mudanças não impediram por exemplo o escândalo da OGX que, segundo a CVM veio a apurar mais adiante, também tinha razões contábeis.

Assista a esse documentário e reflita sobre seus investimentos. Pode ser um tanto assustador pensar nisso, mas é melhor que seja pensado antes de se tornar vítima de mais alguma malandragem dessas.

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