Os melhores negócios separam o que é estrutural do conjuntural

Costumam chamar de “engenheiro de obra pronta” aquela pessoa que, diante de um fato já ocorrido, aponta que era “óbvia” a decisão tomada diante de um cenário adverso, principalmente quando se trata de se ter encontrado um caminho positivo apesar do chacoalhão.

Quando olhamos para a situação de negócios do pré-pandemia até o estágio atual – aquele em que finalmente podemos falar em pós-pandemia -, alguns casos chamam a atenção e trazem discussões dessa natureza.

Neste artigo faremos uma discussão sobre como isso não é tão simples como parece e, em se tratando de onde você aloca seu dinheiro, isso faz bastante diferença.

Antes de seguir: o que seriam conjuntural e estrutural?

Caso você não tenha familiaridade com esses dois termos, vale um pequeno esclarecimento sobre o que queremos dizer com ambos nesse texto.

Conjuntural é tudo aquilo que se refere a uma situação que se vive no atual momento, não levando em consideração o histórico e nem como esse ponto presente irá influenciar o futuro. Já estrutural é o levar em consideração do “de onde estamos vindo”, combinado com o momento atual e levando em conta a eventual continuidade disso no futuro.

Trazendo para o contexto da pandemia e sua relação com os negócios, diríamos que a discussão sobre “o que seria o novo normal”, tão feita nos idos de 2020 e 2021, é intimamente relacionada com isso.

Pandemia e o “como sairemos disso?”

Provavelmente você que lê essas linhas tem na cabeça o momento em que te contaram que as coisas iriam começar a fechar em 2020. Praticamente todo mundo falava a mesma coisa: “serão só algumas semanas e tudo voltará ao normal”.

De repente, estávamos todos reduzindo ao máximo as interações desnecessárias para lidar com algo que sequer sabíamos como funcionava.

Estando mais em casa, as pessoas acabaram consumindo mais via e-commerce, seja por necessidade (bens alimentícios, compras em supermercado e afins), talvez por descobrirem esse meio de compra ou, até mesmo, por uma estranha compensação dessa queda de relações humanas – se não se podia viajar, beber em casa ou comprar algo entrava na pauta.

Tudo isso afetou diretamente o modo como, de restaurantes a grandes lojas de departamentos, passaram a ser oferecidos os mais diversos itens. Nesse caminho, ao passo que muitos negócios passaram pela triste realidade de terem de ser encerrados, outros acabaram se destacando consideravelmente.

Pense especificamente nos negócios que você mais viu se destacarem durante a pandemia. Vamos prosseguir…

Pandemia e o “podíamos continuar com esse novo normal”

O e-commerce bombando significou um boom positivo de contratações e também nas ações de diversos negócios que têm como seu principal meio de funcionamento o consumo pela internet. Dois exemplos palpáveis disso foram o da Amazon e o da Shein. As duas empresas passaram por uma enorme expansão durante o período mais agudo da pandemia.

Amazon foi uma empresa que ampliou em impressionantes 75% sua força de trabalho (427 mil pessoas em apenas dez meses), tudo isso para lidar com uma demanda que só fazia crescer. Já a Shein chegou ao valor de mercado de US$100 bilhões no começo do segundo trimestre de 2022, um aumento de quase seis vezes do que tinha apenas dois anos antes.

Porém, essas duas empresas viram, com a retomada da normalidade, suas dificuldades aumentarem exatamente nesses mesmos índices: na Amazon a questão mais recente está sobre o excesso de pessoas trabalhando em seus armazéns e, pelo lado da Shein, o valor de mercado chegou a encolher a US$64 bilhões em 2023, uma queda de quase 40% desde o pico.

Aparentemente, o que essas duas empresas acabaram fazendo foi, para além do aspecto conjuntural de abraçar uma demanda que era de fato extraordinariamente grande e acelerada, uma aposta a respeito da continuidade desse cenário como sendo o tal “novo normal” tão falado quando esse período tão conturbado da história recente havia começado, ou seja, uma aposta que esse nova forma de viver era estrutural.

Mas houve quem fugisse à essa regra?

Observando ainda exemplos de grandes empresas cujas decisões são olhadas globalmente, temos a Apple como caso fora dessa curva de “empolgação”. Houve, no caso da empresa da maçã, uma decisão bastante relevante e diferente das outras: observar o tamanho da diferença que aquele período faria para o futuro do negócio como um todo.

No lugar de expandir contratações de maneira bastante elevada, a Apple optou por buscar cumprir sim essa demanda adicional, mas do modo mais enxuto possível. Em economês, a ideia foi a de expandir ao máximo o potencial de capital humano antes de incluir novas pessoas na força de trabalho.

Importante afirmar que, sim, foram contratadas novas pessoas, mas numa magnitude bem menor do que concorrentes.

Finesse de gestão é reconhecer o estrutural

Levando em conta uma analogia com uma marina de barcos, todas as vezes em que a maré se eleva, vemos que todos os que estão naquele local acabam se beneficiando do novo nível. Porém, o que a maré não consegue fazer é resolver questões que envolvem o motor ou a estrutura física de cada um desses barcos.

Está longe de ser a coisa mais trivial do mundo, sobretudo quando acontecem eventos tão complexos quanto o que foi a pandemia, mas a grande diferença entre gestões que levam em conta o longo prazo e outras que focam apenas no tempo presente está justamente em periodicamente parar e perguntar do modo mais detalhado possível: “como isso tudo que acontece agora impactará o negócio no futuro?”.

Pandemia é o tipo de evento que coloca basicamente todos os negócios no mesmo panteão de decisões, mas não é a única possibilidade que deveria fazer com que gestores de negócios pensassem nessa pergunta absolutamente relevante. Aumento de juros, recessão econômica, mudanças demográficas…

As possibilidades são as mais diversas possíveis de eventos que demandam lupa de quem gere negócios.

Lembre-se sempre: para além de apenas olhar os indicadores publicamente disponíveis dos negócios nos quais você deseja investir, procure também saber da gestão dessas empresas e como visualizam que cenários adversos as afetam hoje ou podem afetá-las amanhã.

Caso você tenha pensado que isso é muito complicado, saiba que também é bastante complexo ganhar dinheiro de maneira relevante o suficiente para que, de maneira estrutural, você consiga mudar sua vida.

Mas, pode ter certeza: todas as pessoas que “perdem tempo” com esse conjunto de detalhes adicionais aumentam consideravelmente (e estruturalmente) suas chances de, seja através de investimento ou mesmo da gestão de negócios, tornarem seus próprios futuros financeiros muito mais confortáveis e sustentáveis. De mesmo modo acontece com as empresas: as que têm a sorte de contar com gestão atenta assim são as que, com maiores chances, estarão aqui amanhã.